tel.: +55 11 2661.5455 | e-mail: contato@amigosdocoracao.org.br

Siga nos:

GLAUBER

Para aquele Natal, resolvemos incrementar a festinha que organizávamos todo ano. Em vez de fazer as visitas aos quartos somente com um grupo de voluntários e um presentinho para cada paciente, imaginamos que a figura de um Papai Noel ajudaria a alegrá-los um pouco mais.

Liguei para minha cunhada que, por conta dos filhos pequenos, sempre chamava um Papai Noel para a ceia de Natal em sua casa, e ela me passou o contato dele.
A voz feminina que atendeu apresentou-se como dona da agência de atores. Nem sabia que era uma coisa assim tão bem estruturada… “Melhor ainda”, pensei.
Expliquei à atendente que teria que ser alguém bem escolhido, porque, geralmente, os velhinhos eram escalados para trabalhar só com crianças, em locais como shoppings, lojas ou eventos. No nosso caso, seria com crianças, adultos, idosos… mas doentes e em um hospital!

Glauber foi o escolhido. Combinamos de nos encontrar na porta do hospital, para que, depois, eu pudesse guiá-lo até nossa sala, onde receberia as instruções antes de começar as visitas. Como a agência não mandara sua foto, ele avisou que estaria de jeans e camisa verde. Quando desci até a entrada do InCor, meus olhos percorreram as ruas em busca daquele que correspondesse à sua descrição. Em meio ao mundo de gente que circulava pelas redondezas do hospital, meus olhos apontaram um rapazinho

franzino que estava lá parado com uma maleta nas mãos.

 

“Devia ter pedido mais detalhes”, pensei. “Esse rapaz também está trajando jeans e camisa verde… Mas claro que não deve ser ele!”

Esperei um pouco mais e, por algum motivo, embora relutante, aproximei-me dele. — Glauber? — perguntei.
Ele abriu um sorriso e, alegremente, confirmou que sim. “Agência de atores! Pois sim! Só porque regateei o preço da apresentação, ela me manda esse Papai Noel?”

Não consegui esconder minha decepção. Devia medir não mais que 1,60m e o peso talvez não alcançasse os 50 quilos. “Cadê os cabelos brancos? As rugas? A barba? A
barriga? Cadê a barriga?” — Pode deixar que eu vou me maquiar e me fantasiar.

Está tudo aqui na maleta — apressou-se em me explicar. Contrariada, subi a seu lado para nossa sala. Os voluntários que lá estavam, esperando por um velhinho de bochechas rosadas, não entenderam nada. Glauber pediu licença e foi ao banheiro se preparar. Enquanto todos nós ainda falávamos sobre o desrespeito da dona da agência, ele apareceu pintado de branco, barba e peruca das mais simplórias, e com um travesseiro sob a fantasia, que teimava em escorregar para os cantos e em
nada se parecia com uma barriga real. “Bom, já que é isso que temos, vamos começar as visitas”, pensei. — O seu papel, Glauber, será entrar nos quartos, falar duas ou três palavrinhas com cada paciente e entregar o presentinho — explicamos.

Badalando o sininho, Glauber entrou no primeiro quarto. Aproximou-se do leito, onde um senhor de idade já avançada mostrava certo desconforto. A sonda e o soro que
recebia eram sinais de sua recente operação. — Papai Noel chegou, ho ho ho!!

Incrível como uma frase tão simples pode ter um impacto tão forte. Naquele instante, o rosto do Sr. Adelino parecia ilustrar uma daquelas propagandas enganosas de “antes e depois”. Como em um passe de mágica (e Papai Noel não é mágico?), um sopro de vitalidade parecia ter invadido seu corpo já tão castigado. Glauber passou, então, a falar sobre o milagre da vida, que se renova e se recupera, sobre a importância de manter o espírito saudável e de alimentar a esperança por dias melhores. Fez-se um silêncio respeitoso, daqueles que ninguém precisa pedir. Suas palavras ecoavam, entre serenas e solenes, como em um sermão proferido perante fieis ávidos de fé.

Contou casos, se emocionou, tocou a todos. Fez piada, riu e fez rir. Conforme as visitas avançavam, eu ficava cada vez mais surpresa com a força que aquela figura tão pequena e acanhada transmitia. Ele crescia! Era como se, de repente, a fantasia se enchesse e ele virasse o verdadeiro bom velhinho, trazendo boas novas. As crianças cercavam-no, na tentativa de impedir sua saída. O saco vermelho de presentes diminuía na inversa proporção de seu ânimo e entusiasmo.

Nós, os voluntários que o acompanhavam, tornamo-nos, além de meros figurantes, espectadores encantados com uma entrega tão sincera e comovente. Já passava das 19 horas, uma hora além do tempo marcado para terminarmos as visitas. Estávamos todos exaustos. A maquiagem de Glauber derretia-se sob o forte calor que ainda fazia. Mas ele, como que protegido por aqueles poderes que só os super-heróis possuem, não demonstrava cansaço.

Passou-se ainda algum tempo antes que se rendesse aos nossos apelos para encerrar as atividades. Dirigíamo-nos, finalmente, para a escada, quando uma senhora que acompanhava sua netinha doente veio apressada ao nosso encontro. Abraçou-o, com uma ingenuidade quase infantil.

— Estou tão contente! — disse num fiozinho de voz —
É a primeira vez que eu vejo o Papai Noel de perto! E começou a chorar baixinho. Ficaram assim por muito tempo. Descemos sem nada dizer. Depois de um tempo, de cabelos molhados, calça jeans e camisa verde, Glauber reapareceu na sala. Guardou seu material, cuidadosamente, na maleta e, depois de ouvir todos os agradecimentos do mundo e elogios sobre sua performance, devolveu-me o cheque que, além do combinado, incluía uma boa gorjeta. Insisti, dizendo que não nos sentiríamos bem, que
não era justo, que ele merecia, pois, afinal, tinha feito muito além do combinado — ele era um profissional e tinha que ser remunerado.

Ele me interrompeu delicadamente. — Sou um ator e fui chamado aqui para desempenhar o meu papel. Seria justo eu receber por um trabalho. O fato — disse num tom sério, que ainda não tinha usado conosco — é que hoje eu não atuei. E recebi muito mais do que dei.

 

Fui muito bem pago.

 

Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 – Bloco 1 – 2º and. – Cerqueira César – São Paulo – CEP.: 05403-904

Copyright © 2020 – Associação Amigos do Coração :: Desenvolvido por: Três.Zero